domingo, 19 de outubro de 2014

Desespero

Sobre os charcos noturnos ululando,
entre os negros ciprestes suspirando,
nos vendavais da noite remoinhando,
demoníacas formas noturnais;
contra os galhos desnudos se ferindo,
junto aos poços estanques estrugindo,
nas penhas, sobre o mar, repercutindo,
do desespero as sombras infernais.

Certa vez (ainda o vejo em pensamento),
antes que se estendesse um céu cinzento
sobre o meu juvenil atrevimento,
houve tal coisa como ser feliz;
o céu que agora é negro refulgia,
límpido e safirino resplendia,
mas logo vi que em sonhos é que eu via
tudo isso – no fatal torpor de Dis*.

Mas o rio do tempo, a transcorrer,
traz o tormento do desconhecer,
sempre fugindo, em seu cego correr
em direção àquele prado arcano;
enquanto o viajante enxerga aflito
do fogo-fátuo o fulgor esquisito
e do petrel maligno escuta o grito,
a vogar impotente para o oceano.

Asas malignas pelo éter batendo,
abutres que o espírito vão roendo,
vultos negros que passam, percorrendo
eternamente um céu de escuridão;
contornos espectrais de ida ventura,
cruéis demônios da aflição futura
se mesclam numa nuvem de loucura
e fazem da alma a sua habitação.

Assim os vivos, sós e soluçantes,
nos amplexos da angústia palpitantes,
são vítimas das fúrias repugnantes,
que à noite e ao dia vêm a paz roubar;
mas para além da dor e do lamento,
de uma vida de tédio e de tormento,
há de coroar o doce Esquecimento
tantos anos de inútil procurar.

(H.P.Lovecraft)

*Cidade invisível, mencionada num livro de Clark Ashton Smith e presente na "Demonologia de Cthulhu". Tradução: Renato Suttana

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