sexta-feira, 31 de outubro de 2014

A Estampa da Casa Maldita - H.P.Lovecraft

Os amantes do horror freqüentam sítios estranhos e remotos. Nada desejam senão as catacumbas dos Ptolomeus e os mausoléus esculpidos dos países de pesadelo. Sobem às torres enluaradas das ruínas de castelos dos Reno, descem negras escadarias, cobertas de teias de aranha, sob as pedras dispersas de esquecidas cidades da Ásia. A floresta encantada e a montanha inóspita são os seus santuários e eles se detêm longamente em torno dos sinistros monólitos de ilhas desabitadas. No entanto, o verdadeiro epicurista do horror, para quem uma desconhecida palpitação de inenarrável pavor constitui a finalidade maior e justificativa da existência, estima antes de tudo as fazendas antigas e solitárias do interior da Nova Inglaterra. Pois é ali que os soturnos elementos de força, solitude, grotesco e ignorância se combinam para moldar a quintessência do tétrico.


domingo, 19 de outubro de 2014

Desespero

Sobre os charcos noturnos ululando,
entre os negros ciprestes suspirando,
nos vendavais da noite remoinhando,
demoníacas formas noturnais;
contra os galhos desnudos se ferindo,
junto aos poços estanques estrugindo,
nas penhas, sobre o mar, repercutindo,
do desespero as sombras infernais.

Certa vez (ainda o vejo em pensamento),
antes que se estendesse um céu cinzento
sobre o meu juvenil atrevimento,
houve tal coisa como ser feliz;
o céu que agora é negro refulgia,
límpido e safirino resplendia,
mas logo vi que em sonhos é que eu via
tudo isso – no fatal torpor de Dis*.

Mas o rio do tempo, a transcorrer,
traz o tormento do desconhecer,
sempre fugindo, em seu cego correr
em direção àquele prado arcano;
enquanto o viajante enxerga aflito
do fogo-fátuo o fulgor esquisito
e do petrel maligno escuta o grito,
a vogar impotente para o oceano.

Asas malignas pelo éter batendo,
abutres que o espírito vão roendo,
vultos negros que passam, percorrendo
eternamente um céu de escuridão;
contornos espectrais de ida ventura,
cruéis demônios da aflição futura
se mesclam numa nuvem de loucura
e fazem da alma a sua habitação.

Assim os vivos, sós e soluçantes,
nos amplexos da angústia palpitantes,
são vítimas das fúrias repugnantes,
que à noite e ao dia vêm a paz roubar;
mas para além da dor e do lamento,
de uma vida de tédio e de tormento,
há de coroar o doce Esquecimento
tantos anos de inútil procurar.

(H.P.Lovecraft)

*Cidade invisível, mencionada num livro de Clark Ashton Smith e presente na "Demonologia de Cthulhu". Tradução: Renato Suttana

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Bright Star

Estrela brilhante! Fosse eu permanente como sois --
não em sólito esplendor suspenso na noite ao longe,
mas observante, com eternos cílios entreabertos,
tal da Natura paciente, insone eremita,


Das águas moventes em seu sacerdotal empenho
de ablução pura ao redor dos litorais humanos,
ou de entrever o pouso da novel máscara
da neve sobre montanhas e charnecas--


Não: conquanto permanente, e pois imutável,
envolto no maduro peito do meu Amor
para sentir para sempre o seu macio arfar,
desperto para sempre em doce inquietude;


Ainda, ouvir ainda a sua terna respiração,
e assim viver sempre --ou decair à morte.

(John Keats)
Tradução de: Horácio Costa

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Não fui, na infância, como os outros
e nunca vi como outros viam.
Minhas paixões eu não podia
tirar de fonte igual à deles;
e era outra a origem da tristeza,
e era outro o canto, que acordava
o coração para a alegria.

Tudo o que amei, amei sozinho.
Assim, na minha infância, na alba
da tormentosa vida, ergueu-se,
no bem, no mal, de cada abismo,
a encadear-me, o meu mistério.

Veio dos rios, veio da fonte,
da rubra escarpa da montanha,
do sol, que todo me envolvia
em outonais clarões dourados;
e dos relâmpagos vermelhos
que o céu inteiro incendiavam;
e do trovão, da tempestade,
daquela nuvem que se alteava,
só, no amplo azul do céu puríssimo,
como um demônio, ante meus olhos.

(Edgar Allan Poe)

Para relembrar o mestre que nesta mesma data partiu há 165 anos o autor, poeta, crítico literário e editor que fez parte do Movimento Romântico Americano, imortalizado por suas histórias de mistério, terror, do gótico e macabro: Edgar Allan Poe. "And my soul from out that shadow that lies floating on the floor... Shall be lifted - Nevermore!