sábado, 29 de março de 2014

Ithaka

Quando partires de regresso a Ítaca,
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.

Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros,
um Poseidon furioso - não os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime
teu corpo toca e em teu espírito habita.
Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros,
Poseidon em fúria- nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportes,
ou ela os não erguer perante ti.

Deves orar por uma viagem longa.
Que haja muitas manhãs de Verão
em que com prazer, com que deleite,
você entre em portos 
que estará vendo pela primeira vez;

Em colônias fenícias deverás deter-te
para comprar artigos finos: de madrepérola e coral,
âmbar e ébano, perfumes sensuais de todo o tipo -
todos os perfumes sensuais que puder comprar...

E vai ver as cidades do Egito, para aprenderes com os que sabem muito.
Terás sempre Ítaca no teu espírito, que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha, rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.
 
Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca, não terias partido.
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.
Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora, senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca.

(C.P.Cavafy)

quinta-feira, 13 de março de 2014

Soneto 43

Quando eu mais pisco faço melhorar meu olhar,
para todos os dias, olhar coisa ignorada,
mas, quando durmo, meus sonhos, olham a ti,
e, brilhante breu, são dos brilhos negros guiados.
Cujas sombras das sombras tecem-se brilhantes,
como seria a sua sombra o feitio feliz vê-la,
com o dia claro com sua luz muito mais clara,
quando ocultos olhos sua sombra brilha assim?
Como seria (digo) meu olhar fosse bem dito,
ao admirar lhe de ti na existência do dia,
quando morte noturna faz viciosa sombra.
Por meio denso sono cego olhar fiquei?
Todos os dias são noites até que possa olhá-la,
e noites vivos dias quando não mostrar sonhos.

(William Shakespeare - Tradução. Éric Ponty)