segunda-feira, 24 de junho de 2013

A Um Ausente

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste?

(Carlos Drummond de Andrade)

2 comentários:

  1. Belíssimas palavras de Drummond!
    É um dos autores brasileiros que mais admiro. Costumava lê-lo com frequência..
    Especialmente nestes versos, suas palavras soam tão profundas e verdadeiras.. me identifiquei com eles!.. Por vezes sinto falta de pessoas que outrora fizeram parte de minha vida.

    Um Abraço

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    1. Mais uma vez muito obrigada pelo gentil comentário.

      Gosto também dos poemas de Álvares de Azevedo e Olavo Bilac, também são excelentes escritores, além do perfeito Castro Alves.

      Sim, em algum ponto penso que todos nós identificamos com este poema dele, são verdadeiras e sinceras, e também sinto falta daqueles que já partiram...

      Um abraço.

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