sábado, 18 de maio de 2013

Ato I. Cena I.

BENVÓLIO - Perfeitamente; mas que dor as horas retarda de Romeu?
ROMEU - Não ter aquilo que, se o tivesse, as deixaria curtas.
BENVÓLIO - No amor?
ROMEU - Fora...
BENVÓLIO - Do amor?
ROMEU - Fora do amor de quem me traz cativo.
BENVÓLIO - Ah! que aparência tenha amor tão branda, mas, de fato, seja áspero e tirano.
ROMEU - Ah! que, apesar da venda, amor consiga descobrir seus caminhos sem fadiga. Onde iremos comer? Oh! que batalha por aqui houve? Mas não contes nada, que já soube de tudo. O ódio dá muito trabalho por aqui; mas mais, o amor. Então, amor brigão! Ó ódio amoroso! És tudo, sim; do nada toste criado desde o princípio. Leviandade grave, vaidade séria, caos imano e informe de belas aparências, chumbo leve, fumaça luminosa, chama fria. saúde doente, sono sempre esperto, que não é nunca o que é. Eis aí o amor que eu sinto e que me causa apenas dor. Não queres rir?
BENVÓLIO - Não, primo; chorar quero.
ROMEU - Por quê, bondoso amigo?
BENVÓLIO - Por ver que tens opresso o coração.
ROMEU - Do amor é sempre assim a transgressão. As dores próprias pesam-me no peito; mas agora redobras-lhes o efeito com mostrares as tuas; o tormento que revelaste, ao meu deu mais alento. O amor é dos suspiros a fumaça; puro, é fogo que os olhos ameaça; revolto, um mar de lágrimas de amantes... Que mais será? Loucura temperada, fel ingrato, doçura refinada. Adeus, primo.
(Faz menção de retirar-se.)
BENVÓLIO - Mais calma; irei também; se me deixardes não procedeis bem.
ROMEU - Ora, já me perdi. Não sou Romeu. Esse está longe. Está não sei bem onde.
BENVÓLIO - Dizei-me seriamente a quem amais.
ROMEU - Como! Precisarei gemer o tempo todo que te falar?
BENVÓLIO - Gemer? Oh, não! Mas dizer, em verdade, quem seja ela.
ROMEU - Mandai fazer o doente o testamento. Que idéia triste para o desalento! Primo, em verdade: adoro uma mulher.
BENVÓLIO - Acertado também nesse alvo eu tinha, ao vos imaginar apaixonado.
ROMEU - Ótimo atirador! E ela é formosa.
BENVÓLIO - Primo, acertar assim é grande dita.
ROMEU - Nisso vos enganais. Ela é catita. A seta de Cupido não cogita de bater nela. Sábia como Diana, a castidade é sua soberana. Do arco gentil do amor está amparada e, assim, da lenga-lenga apaixonada. Resistir pode a todos os assaltos dos olhares morteiros, não chegando nunca a cair-lhe no regaço a chuva de ouro que os próprios santos tem vencido. Oh! é rica em beleza, mais que bela, porque a beleza morrerá com ela.
BENVÓLIO - Então jurou que sempre há de ser casta?
ROMEU - Jurou; e sua avareza tão nefasta grandes estragos fez, pois a beleza com tal severidade, de fraqueza quase veio a morrer, tendo ficado sem prole alguma. Incrível atentado! É muito bela e sábia, sabiamente formosa para estar sempre contente com me fazer sofrer. Fez juramento de não amar jamais, um só momento. E nesse voto infausto eu vivo morto só de a todos contar meu desconforto.
BENVÓLIO - Por mim guiar te deixes nisso: esquece-a
ROMEU - Oh! A esquecer-me ensina o pensamento.
BENVÓLIO - Dá liberdade aos olhos; examina outras belezas.
ROMEU - Esse é o meio certo de mais consciente me tornar ainda de sua formosura em tudo rara. Essas felizes máscaras que as frontes beijam das jovens belas, sendo pretas pensar nos fazem que a beleza escondem. Quem chegou a cegar, jamais se esquece da jóia rara que perdeu com a vista. Mostrai-me uma mulher de inexcedível formosura; para algo servir pode, senão de sugestão para que eu leia quem a excedeu em tanta formosura? Não, nunca hás de ensinar-me o esquecimento.
BENVÓLIO - Hei de nisso empregar o meu talento.

(William Shakespeare. Romeu & Julieta. Ato I. Cena I.)

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